Em meio ao aumento da concorrência e à crescente pressão por melhores condições de trabalho, o iFood anunciou recentemente um novo pacote de benefícios para seus entregadores. Batizado de Super Entregadores, o programa promete bonificações, maior autonomia no recebimento dos pagamentos e novas funcionalidades no aplicativo, como a escolha do destino das corridas.

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No entanto, lideranças sindicais e especialistas em direito do trabalho alertam: por trás dos incentivos pode haver um mecanismo que aprofunda a dependência dos trabalhadores à plataforma.

Bonificações por desempenho e novos recursos

Com mais de 400 mil entregadores cadastrados e cerca de 120 milhões de pedidos mensais, o iFood busca valorizar, segundo a própria empresa, “os profissionais mais engajados”. Entre os benefícios anunciados estão:

  • Bonificação anual de até R$ 3 mil para entregadores com alto desempenho;
  • Antecipação do pagamento por entrega, com possibilidade de recebimento no mesmo dia;
  • Ferramenta de escolha de destino para facilitar o planejamento das corridas.

Segundo Johnny Borges, diretor de Impacto Social do iFood, os entregadores mais frequentes na plataforma poderão obter ganhos até 30% superiores à média. O valor bruto por hora, de acordo com o executivo, é de R$ 28, e o valor mínimo por entrega é de R$ 7,50 para motociclistas e R$ 7 para ciclistas.

Vozes das ruas: entregadores questionam efetividade

Apesar do discurso institucional, entregadores ouvidos pela reportagem expressam ceticismo. Para Rodrigo Lopes Correia, morador de Olinda (PE) e presidente do Seambape — sindicato da categoria no estado —, o valor líquido recebido após os custos fixos dificilmente ultrapassa R$ 1.500 mensais. Ele afirma que a proposta do iFood surge em resposta à recente mobilização dos trabalhadores.

“Essa mudança é fruto da luta. Mas não resolve o essencial: a remuneração justa”, afirma Rodrigo, que já sofreu seis acidentes de moto desde que começou a trabalhar com entregas.

A mesma crítica é feita por Alessandro Sorriso, presidente da Associação dos Motofretistas Autônomos e Entregadores do Distrito Federal. Ele considera que o programa pode representar uma “armadilha”, exigindo jornadas ainda mais exaustivas para atingir os bônus.

“Para ganhar 30% a mais, o trabalhador terá que se submeter a longas jornadas, inclusive aos fins de semana e feriados”, alerta Sorriso.

Reflexões jurídicas: vínculo ou empreendedorismo?

O professor de Direito Antônio Sérgio Escrivão Filho, da Universidade de Brasília (UnB), reforça que a atividade dos entregadores não deve ser romantizada como empreendedorismo.

“Eles oferecem mão de obra, sem poder definir as regras, os valores ou contestar punições. Trata-se de uma relação de subordinação — ou seja, de emprego”, sustenta o jurista.

Escrivão ressalta que a maioria desses trabalhadores não tem acesso a direitos básicos como férias remuneradas ou previdência, e muitos sequer compreendem as lógicas dos algoritmos que definem seus ganhos.

Segurança e seguro: um ponto sensível

Em resposta às críticas sobre riscos nas ruas, o iFood afirma investir em ações de prevenção de acidentes e em um seguro com cobertura de até R$ 120 mil para casos de morte ou invalidez. Ainda assim, a sensação de insegurança persiste entre os trabalhadores, que se equilibram diariamente entre o asfalto e a pressão por produtividade.

Valderson Amorim, entregador em Brasília, diz que sua família vive preocupada com os riscos da profissão. “Antes eu era padeiro e não podia nem comer o que vendia. Hoje ganho mais, mas sei que é arriscado.”

O que está em jogo?

As mudanças no iFood refletem não apenas uma tentativa de modernizar a relação com os entregadores, mas também a urgência de um debate mais profundo sobre a regulamentação do trabalho por aplicativos no Brasil. O discurso de recompensa por desempenho pode esconder relações assimétricas, marcadas por jornadas exaustivas, insegurança e ausência de direitos trabalhistas básicos.

Fonte: Agência Brasil – Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil